Ou Ensaio Geral de Significantes
Por Rilton Primo* | 12 de abril de 2020
Dizer que algum político do mundo está a serviço do seu sadismo é uma tautologia, e é mítica. Mass media, como a série sobre ícones do mau-comportamento, já decifram psicoses em ratio.
Lacan não fez ciência política quando disse inexistir um significante a campos de concentração; e não porque houve artista para as espirais de fumaça do holocausto o há, nem o são os autos de Nuremberg; por fim, não há necessidade de que uma essência precise de uma forma, à Hegel.
Aquém d’arte, direito, suposto thánatos, senhas de poder são números de uma máthēma visível. Como em Reich o corpo é o inconsciente à luz e, em Marx, é a indústria. O enigma são evidências.
Pondo tudo de ponta-cabeça, se relemos o tripalium da pele no tripalium da terra, àquele lhe toca disciplinar este, que não deixa de ser sua infraestrutura, que deve abstrair-se e o faz muito. As diferenciações físicas do que se aplica à terra ou pele iludem que terra não se iguale à pele, embora a conversão ricardiana do homem em fator de produção siga este algoritmo da senha. Não só o tripalium é igual à terra, o torturado é o instrumento da tortura e bosquejo significante.
Quando desfocamos a crítica da ‘equação’ à do ‘sadismo’ saímos do logos ao vício de linguagem. Certa vez o literato que mais conhecia seu idioma descreveu um golpista como um raio em céu azul; foi corrigido por estrategista sem caligrafia, pois o vitupério, ao revés, mitificava um porcus. Supor que até o político ultra-sádico age por sevícia é representá-lo além de power passwords. Nominativus pendens, diria Drummond: “o homem, chamar-lhe mito não passa de anacoluto.”
O atual drama de benifrates difere da realpolitik de Maquiavel, em grande parte, porque a macaqueia ainda, sem atingir a psicose amoral pós-nietzschiana, fratricida e treda. Engenharia de Metternich, mapeamento de Rochau; cutelo-torno de Bismarck e Kissinger a Iéltsin e Bannon.
É zõon politikõn, ainda que de impura definição na realpolitik, ora com capacidades de atingir metas de fisiologista raso, mas sempre com pé à margem do sensatismo republicano pós-Faoro, algoritmo que ganha mesmo quando perde: rudes modos a estibordo, açucarados a bombordo.
Pensar a cultura é arrestar o empuxe de inclinação ao principismo, oco se não complementado pela audácia dos resultados, tão repudiada pela corrupção dos sistemas representativos, de fato degenerada hoje em indecoro de caserna, mas Lênin já via as pornopolíticas no pós-Ensaio Geral.
Quando Calígula ordenou sua elite militar atacar o mar, catar conchas, ensaiava os significantes.
*Economista, escritor e ensaísta.
Disponível em: http://www.aldeianago.com.br/nossos-baianos/23561-anacoluto-ou-ensaio-geral-de-significantes-por-rilton-primo